A emergência climática é também uma crise para os direitos das infâncias e juventudes. Entenda na reportagem.
Reportagem: Ingrid Matuoka | Edição: Tory Helena
Resumo: Ao menos 40 milhões de crianças e adolescentes – 60% do total – já são impactados no Brasil pela crise climática. A situação se agrava conforme se soma às demais privações de direitos. Entenda como as infâncias e adolescências são impactadas e os caminhos para frear a crise.
Em 22 de julho de 2023, o Cristo Redentor, no Rio de Janeiro (RJ), anoiteceu com a projeção de uma contagem regressiva: naquele dia restavam 5 anos e 364 dias de uma Terra com temperaturas minimamente seguras para a existência de vida.
O Relógio do Clima, idealizado pelos artistas estadunidenses Gan Golan e Andrew Boyd, já passou por cidades como Berlim, Nova Iorque e Seul. Por aqui, a projeção mostrava soluções de combate à crise climática que podem ser aplicadas no Brasil.
Entre elas, garantir saneamento básico para todos, zero taxa de desmatamento em todos os biomas e territórios protegidos pelos povos originários. Segundo dados do Banco Mundial (2008), os povos indígenas correspondem a 5% da população mundial, entretanto protegem 80% de toda a biodiversidade do planeta.
Se nada for feito daqui até lá, a crise climática vai seguir se agravando, com impactos que atingem primeiro e de forma mais aguda crianças e adolescentes com deficiência, negros, indígenas e quilombolas, migrantes e refugiados, e as meninas. É o que mostra o relatório Crianças, Adolescentes e Mudanças Climáticas no Brasil, do UNICEF.
“Os padrões de desigualdades que se aplicam a todos os direitos se repetem na crise climática. Estamos falando de uma crise dos direitos de crianças e adolescentes que vai seguir os mesmos padrões de desigualdade e injustiça do Brasil”, sintetiza Danilo Moura, oficial de Monitoramento e Avaliação do UNICEF no Brasil.
Publicado durante a COP 27, em 2022, o estudo mostra que 40 milhões de crianças e adolescentes já são impactados no Brasil pelas mudanças climáticas, especialmente em regiões mais vulneráveis. Isso corresponde a 60% das crianças e adolescentes brasileiros.
Há consequências imediatas, como desnutrição, surtos de doenças infecciosas, interrupção das atividades escolares, perda da moradia e do contato com a família, riscos de abuso e exploração sexual e outras formas de violência.
No longo prazo, há impactos para o bem-estar e o desenvolvimento futuro, com comprometimento da saúde e nutrição, atraso educacional e traumas psicológicos permanentes.
“Crianças e adolescentes, por questões fisiológicas, são mais vulneráveis a certos impactos. A poluição, por exemplo, é mais nociva para o cérebro, pulmões e sistema imunológico dos mais novos. Nas enchentes, são eles os que têm menos possibilidade de se proteger por conta própria. E é na infância que os serviços públicos são mais utilizados. Se há uma catástrofe, é a escola que vira abrigo”, explica Danilo.
A degradação ambiental também vem acompanhada de outro efeito nefasto. As regiões onde há mais desmatamento e garimpo ilegal são também os locais onde há mais registros de meninas de até 14 anos grávidas – nesses casos, há violência presumida.
Outro estudo, conduzido pela Universidade de Ohio, nos Estados Unidos da América, mostrou que em Bangladesh, onde ocorrem há vários anos ondas de calor extremo com duração superior a 30 dias, foi registrado um aumento de 50% nos casamentos forçados de meninas entre 11 e 14 anos. As principais razões para este aumento têm a ver com o sustento familiar.
No Brasil, o estudo do Unicef revelou que em Roraima, onde foi registrada a taxa nacional mais alta, de 3,69 meninas de até 14 anos grávidas a cada mil gestações, é também onde há migração de crianças e adolescentes venezuelanos em grande número, o que evidencia a vulnerabilidade das infâncias migrantes e o caráter de desigualdade de impactos.
“A probabilidade de uma criança negra morar em uma área de risco é maior do que a de uma branca. As crianças indígenas, por seu modo de vida mais integrado à natureza, também ficam mais ameaçadas”, destaca Danilo.
Educação e caminhos para enfrentar a crise climática
Desde 2009 a juventude começou a ocupar espaços estratégicos nas negociações que envolvem o clima, quando foi criado o Youth Constituency to the UNFCCC (YOUNGO), grupo formalizado pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Foram eles os responsáveis por redigir o Artigo 12 do Acordo de Paris, que versa sobre a importância da educação climática e ambiental na conscientização e participação pública para potencializar as ações previstas no Acordo.
Contudo, a pesquisa Juventudes, meio ambiente e mudanças climáticas, mostra que menos de 3 a cada 10 jovens dizem conversar com frequência sobre a temática ambiental.
Quem mais conversa com frequência sobre o tema são jovens LGBTQIAPN+ (39%) e moradores de territórios tradicionais (38%). Mulheres também são mais envolvidas com esse debate (29%).
“Crianças e adolescentes são potenciais vítimas, mas também têm conhecimentos, experiências e visões de mundo que podem contribuir para encontrar soluções, tanto é que a vanguarda do ambientalismo no mundo hoje é dos jovens”, observa Danilo.
Nas escolas, a Educação Ambiental é lei. Instituída em 1999 pela Política
Nacional de Educação Ambiental, seu foco está na perspectiva da preservação, conservação, recuperação e melhoria do meio ambiente.
A política está alinhada à Constituição Federal, que determina que um meio ambiente equilibrado e preservado é um direito e que as crianças e adolescentes são prioridade absoluta.
Na experiência de Pedro Mota, mobilizador de Juventudes pelo Clima na ONG MANDÍ e pesquisador na ONG COJOVEM, há falta de informações sobre conceitos essenciais e algumas distorções.
“Costumam chamar essas problemáticas de desastres naturais, mas não são naturais, porque fazem parte de todo um processo que envolve racismo ambiental, crise climática e ações e negligências humanas nesse processo”, afirma o jovem de 25 anos que se empenha em promover a Educação Ambiental em escolas e territórios.
“Sou cria de um projeto de Educação Ambiental e minha vida foi transformada a partir disso, então venho trazer esses dados, mostrar que os povos indígenas são mantenedores da floresta de pé e que eles têm muitos processos científicos”, diz.
Clima: uma responsabilidade coletiva
A Educação Ambiental e as iniciativas das juventudes são fundamentais para frear a crise climática. A responsabilidade, contudo, precisa ser partilhada com toda a sociedade.
“Vamos ter que adaptar os serviços essenciais para operar em um mundo com demandas maiores em situação de desastres e respostas melhores em contextos de pressão ambiental. Mas o que precisamos fazer é cumprir o Acordo de Paris”, defende Danilo.
Aprovado por 195 países em 2015, o Acordo de Paris sobre o Clima é um compromisso mundial para deter o aquecimento global, com medidas como redução da emissão de gases de efeito estufa (GEE) a fim de limitar o aumento da temperatura global em 1,5 °C.
Em 2022, em julgamento histórico no Brasil, o Supremo Tribunal Federal (STF) equiparou o Acordo de Paris a um tratado de direitos humanos, com posição superior às leis ordinárias.
“Não existe solução se continuarmos utilizando combustíveis fósseis. Precisamos fazer essa transição energética e zerar as emissões. A partir disso, muitas coisas podem ser feitas”, avalia Danilo.
Desde 1900, a temperatura média da Terra já se elevou em 1,1 ºC e continua subindo. Em 2023, o Secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, trocou o termo aquecimento global, já conhecido, por ebulição global, para descrever a fase atual do problema.
Poluição, queimadas, desmatamentos e outras ações humanas de degradação ambiental estão entre as causas da crise climática. Para estudar a questão, em 1988 foi fundado o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, organização científico-política da ONU.
Os cientistas que compõem o painel não produzem pesquisas. No lugar disso, eles reúnem os estudos produzidos ao redor do mundo sobre o tema e sintetizam os achados. O último relatório, publicado em março de 2023, traz pesquisas de 782 cientistas.
A conclusão é que há grandes chances de ultrapassarmos 1,5 °C ainda na década de 2030. Os efeitos que já podem ser sentidos hoje, como impactos na produção alimentar, ondas de calor, secas e inundações mais intensas e frequentes, juntamente com a subida do nível do mar, serão agravados.
Se continuarmos nesse rumo, os riscos se tornam cada vez mais perigosos e irreversíveis, como a destruição de comunidades, perda de ecossistemas inteiros nas regiões polares, costeiras e montanhosas, risco de extinção de 3% e 14% de todas as espécies terrestres, bem como o aumento de doenças infecciosas.
Há, contudo, alguma esperança. A principal medida, de acordo com o IPCC, é reduzir as emissões globais de gases de efeito estufa pela metade até 2030 e em 99% até 2050.