Do Pará ao Rio Grande do Norte, jovens brasileiras lideram iniciativas voltadas à preservação do meio ambiente e à garantia de direitos.
Reportagem: Ingrid Matuoka | Edição: Tory Helena
Resumo: Jovens brasileiras se destacam na luta pela preservação ambiental e a garantia de direitos das populações mais vulnerabilizadas pela crise climática. Projetos sob suas lideranças mobilizam a sociedade em torno do tema. Conheça quatro dessas jovens de Santarém e Castanhal (PA), São Bernardo do Campo (SP) e Mossoró (RN).
Combater os efeitos da crise climática como as injustiças não é uma tarefa fácil, mas isso não desencoraja jovens mulheres que estão na linha de frente em diferentes regiões do Brasil.
Em seus territórios, elas se dedicam a projetos voltados para a preservação do meio ambiente e a garantia de direitos das populações mais vulnerabilizadas. Para isso, utilizam a seu favor a internet e até mesmo a arte.
A força da mobilização dessas jovens brasileiras já resultou, por exemplo, no apoio a aproximadamente 100 ativistas em situação de emergência em mais de 10 países e no engajamento da população para a assinatura de um projeto de lei em defesa da Amazônia.
Leia +: Chega de fumaça: marchas por Justiça Climática pedem ação contra crise no clima
Conheça, a seguir, quatro jovens brasileiras que estão na luta por justiça climática:
Clara Gentil e o renascer da floresta – Santarém (PA)
Em 2019, um incêndio de grandes proporções atingiu Alter do Chão, em Santarém (PA), área alvo de exploração madeireira, e devastou 1,2 mil hectares de floresta.
Entre brigadistas, policiais, a comunidade do entorno e animais assustados que assistiam à queimada e sofriam com seus efeitos, estava Clara Gentil, indígena da etnia Borari, à época com 14 anos. A cada árvore queimada, a jovem prometeu que faria renascer outra.
De volta à sua escola, que só não foi engolida pelo fogo graças a um rio que o deteve, Clara mobilizou seus colegas, educadores e a comunidade. Em pouco tempo, plantavam 75 árvores por dia.
Foi assim que surgiu a iniciativa Plantar um Mundo Melhor, em parceria com a Escola D’água, e realizada por Clara e a comunidade da escola pública, de tempo integral, que leva o nome da ambientalista Dorothy Stang. Hoje, Clara não está mais na escola, mas o projeto é conduzido por outros estudantes.
“Eu luto pelas pessoas que vieram antes de mim, que lutaram e sofreram muitas coisas para que a gente possa ter liberdade e direitos hoje, e pelas que vão vir depois de mim”, diz.
Além do reflorestamento, o projeto já realizou limpeza de córregos, destinação correta do lixo nas escolas, compostagem, um programa de rádio dedicado a aproximar vozes de pessoas de diferentes comunidades, entre outras atividades.
Clara também passou a integrar outros coletivos de ativismo ambiental, como o projeto Jovens Transformadores Tapajós e o Gentileza e Generosidade. Sua atuação é voltada para a educação ambiental e para engajar outras pessoas nessa luta.
“Quanto mais pessoas, melhor, porque a responsabilidade de preservar a natureza não deve ser colocada só nos braços dos povos indígenas. Nós somos liderança, mas sofremos muitas perdas – de caciques, desmatamento, preconceitos, o marco temporal e outros direitos que eram para serem cumpridos, mas não estão. Por isso vou nas escolas, para que todos saibam de seus direitos, porque isso ninguém pode tirar da gente”, afirma Clara.
Luisa Santi e a proteção aos ativistas – São Bernardo do Campo (SP)
Em agosto de 2021, o grupo ultraconservador Talibã retomou o controle político do Afeganistão e reinstaurou no país um sistema fundamentalista religioso. Mulheres, LGBTQIAPN+ e ativistas se tornaram os principais alvos de repressão.
Do outro lado do mundo, Luisa Santi, 19, de São Bernardo do Campo (SP), ouviu o apelo de seus colegas ativistas pedindo ajuda para sair do Afeganistão.
A jovem, que desde os 16 luta pelo meio ambiente, começou uma vaquinha online que arrecadou 40 mil libras esterlinas para ajudá-los. “Começamos com esse grupo que estava no Afeganistão, juntando dinheiro e negociando com o governo. Depois ajudamos com segurança, evacuação e respostas de emergência para ativistas do México, Irã, Sudão e outros países”, conta Luisa, co-fundadora da Climate Activist Defenders.
A organização, que visa garantir a segurança e o bem-estar de ativistas ambientais sob risco em áreas de confronto, já apoiou cerca de 100 ativistas em situação de emergência em mais de 10 países.
“Lutar contra a crise climática sempre esteve relacionado com o conceito de justiça climática, porque não são apenas os desafios ambientais, mas uma questão de equidade e direitos, principalmente das pessoas mais marginalizadas. Geralmente quem é mais vulnerável às mudanças climáticas são as pessoas que viram ativistas e que estão privadas de outros direitos e acabam sendo colocados em situação de risco. Não é possível pensar em justiça ambiental sem pensar na defesa dos ativistas que estão lutando por mudanças estruturais na nossa sociedade”, diz Luisa.
Thalya Souza e o artivismo – Castanhal (PA)
Em 5 de junho deste ano, Dia Mundial do Meio Ambiente, o movimentado centro da cidade de Castanhal (PA) ganhou uma faixa que dizia “Aqui passa um igarapé e ele está morrendo”. A intervenção chamou a atenção da comunidade.
“Poucas pessoas sabem que aqui existem igarapés, que foram canalizados e assassinados pela urbanização da cidade, até virarem esgoto. Geralmente nos finais de semana vamos para outras cidades para buscar um igarapé para nos refrescar, quando antes tínhamos isso aqui. Isso trouxe uma reflexão bem impactante na vida de todo mundo”, relata Thalya Souza, 18, co-criadora do Coletivo Miri, responsável pela intervenção na cidade.
A arte é um dos principais instrumentos de sua luta pelo combate à degradação ambiental e a perda da memória cultural dos povos da Amazônia, um interesse que começou desde cedo.
Aos 5 anos, matriculada em uma escola atendida pelo Mais Educação, Thalya participou de atividades de teatro e dança voltadas para o meio ambiente e a cultura. Aos 12, participou de uma dança do Boi Miri que falava sobre os recursos hídricos da região, em severo processo de degradação.
“A partir dessa dança, eu e meus amigos resolvemos tomar essa luta para a gente e promover a educação ambiental através da arte e da cultura”, conta Thalya, que também atribui seu interesse pelo cuidado com a natureza ao fato de morar em uma agrovila.
Todo ano, além de organizarem mutirões de limpeza na comunidade, o Coletivo Miri realiza um cortejo com figurinos feitos de materiais recicláveis para recitar pela cidade poemas e manifestos sobre preservação ambiental e saberes populares.
“O artivismo – o ativismo pela arte – tem um papel importante na formação educacional dos indivíduos, e das crianças principalmente, por conseguir inserir assuntos complexos de forma lúdica e sensível”, explica.
Heloíse Luna e a participação política juvenil – Mossoró (RN)
Heloíse Luna, 19, é mais uma das jovens que foram inspiradas por Greta Thunberg. Acompanhando as notícias do outro hemisfério, a jovem via os mesmos problemas ambientais de que falava a ativista sueca em sua cidade potiguar. Foi então que se juntou a quatro colegas para fundar o núcleo Fridays For Future Mossoró (RN), no final de 2019.
Desde então, o grupo cresceu e realizou uma série de ações solidárias, de ativismo digital e presencial. Já realizaram atos na Câmara dos Vereadores, debates com políticos, como a ministra Marina Silva, participaram de conferências sobre o clima e protestos que demandam mudanças na gestão dos resíduos sólidos, com mais apoio às cooperativas de catadores, enfrentamento às queimadas, limpeza do Rio Mossoró e arborização.
O Fridays for Future Mossoró já auxiliou mais de 400 jovens a emitir seu título de eleitor, realizou ações de educação política e ambiental em 10 escolas e universidades públicas e arrecadou mais de 1100 assinaturas para o Projeto de Lei de Iniciativa Popular Amazônia de Pé, que pede a proteção das florestas e dos povos da Amazônia.
“Fizemos um show público com artistas pretos e indígenas da região e com pesquisadores para falar sobre as mudanças climáticas, a Amazônia e a Caatinga, e como tudo isso está ligado à nossa vida cotidiana. No evento, realizamos a coleta de assinaturas para o PL chegar ao Congresso Nacional”, conta Heloíse.
No Brasil, é previsto por lei o envio de projetos de lei de iniciativa popular para a Câmara dos Deputados, exigindo a assinatura de um por cento do número total de eleitores no país.
“As políticas públicas precisam ser pensadas em conjunto com os jovens, que precisam ser reconhecidos como agentes de mudança. Não dá para esperar nós termos idade para fazer isso, para participar do Congresso, porque essas decisões têm que ser tomadas ainda nesta década para que o cenário não seja ainda mais catastrófico”, reforça Heloíse.