Reportagem: Nataly Simões | Edição: Larissa Alves
🗒️Resumo: Em entrevista, a pesquisadora do Centro Internacional de Estudos e Pesquisas sobre a Infância (Ciespi/PUC-Rio), Carolina Terra, detalha as percepções dos adolescentes e jovens sobre os efeitos das mudanças climáticas no Brasil e a importância da participação dessas populações no debate sobre o tema.
As novas gerações precisam ter um papel central nas discussões sobre as mudanças climáticas, que têm se tornado cada vez mais comuns no mundo e no no Brasil. O país, inclusive, será sede da Conferência das Partes (COP 30), evento mundialmente reconhecido como o mais importante sobre a temática, que acontece em novembro de 2025, em Belém (PA).
Essa necessidade de participação dos jovens é evidenciada pela pesquisa Adolescentes, Jovens e Mudanças Climáticas no Brasil, que mapeou, a partir da escuta de 200 estudantes de 12 a 18 anos, de escolas públicas e privadas em 10 capitais, suas principais percepções sobre as mudanças climáticas.
Entre uma série de descobertas do estudo, realizado pelo Centro Internacional de Estudos e Pesquisas sobre a Infância (Ciespi/PUC-Rio), a publicação mostra que a maioria dos jovens não participa de iniciativas focadas em diminuir os efeitos das mudanças climáticas, mas gostaria e não sabe por onde começar.
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Esse fato é o plano de fundo de uma sociedade acostumada a ignorar o que pensam os mais jovens sobre diversos assuntos, incluindo a emergência climática, da qual eles são os que mais sentem seus efeitos e precisarão cada vez mais lidar com os problemas decorrentes dela. É o que aponta a pesquisadora Carolina Terra, doutora, mestre e graduada em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).
“De maneira geral, não se ouve crianças, adolescentes e jovens em nenhum assunto. Temos na sociedade um adultocentrismo que impacta as políticas e os debates em geral. Nessa esteira, as crianças também são vistas como pessoas a serem protegidas e não como protagonistas e sujeitos de direitos”, afirma.
Em entrevista, Carolina Terra, que atua nas áreas de pesquisa, advocacy e comunicação institucional no Ciespi/PUC-Rio, detalha as percepções dos adolescentes e jovens sobre os efeitos das mudanças climáticas e a importância da participação dessas populações no debate sobre o tema.
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
Educação e Território: A pesquisa Adolescentes, jovens e mudanças climáticas no Brasil ouviu 200 participantes entre 12 e 18 anos nas cinco regiões do país e traz um panorama das opiniões e sentimentos deles sobre essa temática. O que motivou essa ida a campo?
Carolina Terra: Nós identificamos uma lacuna nas pesquisas já existentes sobre mudanças climáticas, que raramente abordam crianças, adolescentes e jovens, além das experiências locais, nos territórios. A partir disso, entendemos que deveríamos ouvir as opiniões dessas populações a respeito do clima.
Outro ponto muito importante e que diferencia nossa pesquisa de outras é o fato de ser um estudo de campo. Muitas vezes, ainda que seja interessante a pesquisa online, através de formulários, esse formato tem limitações. A pessoa que responde geralmente pode ter um engajamento prévio com o assunto e nós não procuramos esse perfil. Fomos ouvir adolescentes e jovens que não tivessem necessariamente um engajamento, assim a opinião é menos enviesada.

A pesquisa enfocou realidades distintas nas cidades de Belém, Brasília, Curitiba, Fortaleza, Goiânia, Manaus, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo. Você pode dar exemplos de elementos que unem e diferenciam esses adolescentes e jovens quando o assunto é mudanças climáticas?
Esses adolescentes e jovens têm algumas percepções comuns sobre os efeitos das mudanças climáticas, mas há também alguns efeitos diferentes por território e que as políticas públicas devem levar em consideração.
O calor extremo se destacou como o impacto mais citado em todas as regiões do país. Por outro lado, na região Norte, em capitais como Manaus e Belém, houve também menções a chuvas e a fumaças de incêndios. Já no Centro-Oeste, em Goiânia e Brasília, apareceu também a questão das secas e das queimadas. No Sul, em Porto Alegre e Curitiba, foram mencionados as chuvas e os alagamentos.
Entre os respondentes do Nordeste, além do calor, houve menção a chuvas fortes em cidades como Salvador e Fortaleza. Por fim, no Sudeste, no Rio de Janeiro e em São Paulo, os impactos mais mencionados foram as chuvas, enchentes e secas.
71% dos jovens ouvidos pela pesquisa responderam que aprenderam sobre mudanças climáticas na escola. No entanto, a pesquisa aponta que um número significativo sinalizou não estar aprendendo nada sobre o tema atualmente (11%), ou disse nunca ter aprendido (15,5%). Qual é o gargalo que impede a maior disseminação do tema crise climática nas escolas?
É preciso dizer que a escola continua sendo a principal fonte de informação sobre o tema, mas isso tem sido feito de forma insuficiente e muitas vezes superficial ou sem conexão com o território, ou seja, é falado como algo distante da realidade e não algo que já nos impacta atualmente.
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) prevê que o tema deve ser tratado de maneira transversal, mas sabemos que quando um tema deve aparecer transversalmente ninguém é muito responsável pelo assunto e não há um trabalho feito de maneira coordenada entre os professores. Muitas vezes ocorre nas escolas também uma pressão por conteúdos avaliativos, mais duros e que podem impedir que o debate climático ocorra de maneira mais contundente. Precisamos que o cumprimento da Base Nacional seja melhor coordenado dentro das escolas e isso também deve passar por um esforço de formação dos professores.
Entre os sentimentos manifestados pelos jovens sobre as mudanças climáticas, o medo é o que mais prevalece. Esse resultado era esperado? Quais outros sentimentos foram mencionados pelos estudantes?
O medo citado pelos jovens está ligado aos impactos das mudanças climáticas no presente, como as queimadas, e as enchentes, e também ao futuro, com o que pode acontecer quando eles forem mais velhos. Entre as respostas também surgiram outros sentimentos, como insegurança, ansiedade, preocupação, tristeza e até raiva. Essa raiva foi um sentimento que não estava no nosso radar e está muito ligada à falta de ação dos governantes e ao mesmo tempo a um sentimento de impotência.
Por outro lado, a pesquisa mostrou que 17% disseram não sentir nada e temos que qualificar esse dado. Nesse número, por um lado, observamos um distanciamento do tema, com uma ideia de que os efeitos das mudanças climáticas vão demorar para acontecer, e por outro, um sentimento de impotência.
Uma das pessoas entrevistadas chegou a dizer que já se preocupou com o assunto, mas que não se preocupa mais por saber que não está em suas mãos. Achamos que os resultados mostram uma necessidade de espaço de escuta e de engajamento coletivo dos jovens.
Estudos apontam que há poucas pesquisas sobre mudanças climáticas cujo enfoque são crianças, adolescentes e/ou jovens, ou seja, ouvimos pouco as novas gerações sobre um problema que as afeta diretamente. Na sua avaliação, por que há esse apagão de vozes infanto-juvenis quando o assunto é crise climática?
De maneira geral, não se ouve crianças, adolescentes e jovens em nenhum assunto. Temos na sociedade um adultocentrismo que impacta as políticas e os debates em geral. Nessa esteira, as crianças também são vistas como pessoas a serem protegidas e não como protagonistas e sujeitos de direitos.
No caso do debate climático, muitas das vezes é um tema que passa a impressão de ser um debate muito técnico e que pode afastar algumas pessoas, principalmente crianças, adolescentes e jovens. Essa lógica também afeta os idosos e pode apagar os saberes locais e as práticas centradas nos territórios.